SUS passa a oferecer transplante de medula óssea para tratar anemia falciforme

Considerado o único tratamento capaz de curar a anemia falciforme, o transplante de medula óssea acaba de ser incluído no rol de procedimentos coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão, uma demanda antiga de especialistas da área de hematologia, foi publicada na quarta-feira (01/07) no Diário Oficial da União.

Parte das evidências científicas que contribuíram para a inclusão do tratamento na rede pública foi produzida em trabalhos realizados no âmbito do Centro de Terapia Celular (CTC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP e sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, o centro é o único do Brasil que realiza o procedimento de maneira regular.

A técnica, cujo nome científico é transplante de células-tronco hematopoéticas alogênico, consiste em destruir com o uso de drogas quimioterápicas a medula óssea do paciente, que produz células sanguíneas defeituosas. Em seguida, são infundidas células-tronco da medula de um doador compatível para que seja criada uma nova fábrica de células sanguíneas sadias.

Os primeiros trabalhos experimentais foram feitos em 2003, sob coordenação de Julio Voltarelli, morto em 2012. Desde então, o CTC já realizou 27 dos 40 transplantes em portadores de anemia falciforme ocorridos no Brasil. Os estudos se intensificaram nos últimos 5 anos sob comando de Belinda Simões.

“Essa experiência local foi muito importante para ajudar a mudar opiniões contrárias à inclusão do procedimento no SUS dentro do Ministério da Saúde. Havia apenas evidências sobre a segurança e a eficácia do método vindas da Europa ou dos Estados Unidos e nós mostramos que em nossos pacientes conseguíamos alcançar os mesmos índices de cura e sobrevida. Mostramos que muitos desses pacientes, que antes viviam sendo hospitalizados, passaram a levar uma vida normal e produtiva. Essa experiência local foi fundamental”, afirmou Simões.

Segundo a pesquisadora, já foram transplantados cerca 600 pacientes falciformes na Europa e outros 600 nos Estados Unidos. Em ambos os casos o índice de cura é de 90%, quando o doador é um irmão compatível. A mortalidade está em torno de 5%. Os transplantes com doadores não aparentados ainda são considerados experimentais.

Doença hereditária mais prevalente

A anemia falciforme é a doença hereditária mais prevalente no Brasil e estima-se que existam entre 25 mil e 50 mil afetados. Mais comum em populações afrodescendentes, é causada por uma alteração genética na hemoglobina, proteína que dá a coloração avermelhada ao sangue e ajuda no transporte do oxigênio pelo sistema circulatório.

Essa alteração faz com que as hemácias – glóbulos vermelhos do sangue – assumam a forma de foice ou meia-lua depois que o oxigênio é liberado. As células deformadas se tornam rígidas e propensas a se polimerizar, ou seja, a formar grupos que aderem ao endotélio e dificultam a circulação sanguínea.

Além de inflamação constante, esse processo vaso-oclusivo pode causar necrose em vários tecidos e crises de dor intensa. É comum o aparecimento de úlceras nas pernas, descolamento de retina, priapismo (ereções prolongadas e dolorosas), acidente vascular cerebral, infartos, insuficiência renal e pulmonar. A doença também compromete os ossos, as articulações e tende a se agravar com o passar dos anos, reduzindo em cerca de 25 a 30 anos a expectativa de vida.

O paciente precisa de acompanhamento médico durante toda a vida e pode ser submetido a transfusões de sangue com frequência. Os tratamentos até então disponíveis no Brasil visavam somente a amenizar os sintomas. O transplante de células-tronco hematopoiéticas é o único método curativo, mas nem todos os portadores atendidos no SUS são elegíveis.

“Ele está indicado, por exemplo, para pacientes que não respondem à terapia com hidroxiureia [principal droga usada para combater as crises de dor] ou que possuem alterações neurológicas que predisponham ao acidente vascular cerebral e são possíveis de ser identificadas precocemente com exames de ultrassom do tipo uso de Doppler transcraniano. Também para aqueles que sofrem de priapismo recorrente ou que precisam de transfusões com frequência e sofrem com as complicações”, explicou Simões.

Apenas serão realizados pelo SUS transplantes feitos com células doadas por um irmão compatível, por serem considerados mais seguros e eficazes.

Segundo a pesquisadora, o procedimento representa uma opção mais barata para a rede pública do que o tratamento das complicações da doença ao longo de toda a vida dos pacientes.

Em entrevista à Agência FAPESP, a hematologista Lúcia Silla, presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), contou que há mais de dez anos a comunidade científica vem pedindo a inclusão do procedimento no SUS.

“O processo demorou porque o governo estava esperando que os dados publicados na literatura se consolidassem. Trata-se de um procedimento muito complexo, com potencial de trazer muitas complicações sendo uma das mais graves a chamada doença enxerto contra hospedeiro (DECH) – uma espécie de rejeição ao contrário [as células doadas rejeitam o organismo do recptor]. Agora, há dados robustos para atestar a segurança e a eficácia do procedimento. Nós ficamos muito contentes com a notícia”, comemorou Silla.

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